Sapatilha de ponta: quando começar a usar?
  • Sapatilhas de ponta | FOTO: Maíra Passos
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Muitas bailarinas ficam ansiosas pela chega das tão sonhadas pontas, mas é preciso tomar cuidado para não começar precocemente e ter prejuízos para a saúde

Criada no século 19, a sapatilha de ponta foi um dos fatores que vieram dar sustentação aos ideais românticos em um espetáculo cênico. “O romantismo colocava em evidência a maneira apaixonada de encarar a vida, valorizando a figura feminina, por isso as bailarinas mulheres começaram a ocupar os papeis de protagonista nos espetáculos e, até hoje, a sapatilha é usada apenas por mulheres numa formação em balé clássico”, contextualiza a especialista de dança Juliana Siqueira, bailarina pernambucana e autora do livro Sobre as pontas dos pés.

Segundo Juliana, as sapatilhas de ponta trouxeram um significado de leveza, pois permitia que a bailarina deslizasse pelo chão, fazendo com que ela parecesse pertencer a um mundo real e sobrenatural ao mesmo tempo, trazendo leveza para os palcos. Mesmo levando suavidade à coreografia, esse tipo de sapatilha é muito difícil de ser usada e exige muita preparação, pois a sua estrutura machuca os pés.

“Por ter uma superfície de contato muito pequena com o solo, dançar nas pontas envolve muito equilíbrio e força, além de toda a técnica que está envolvida na execução dos movimentos presentes no balé clássico, que exige muito refinamento e amadurecimento”, explica Juliana sobre a principal dificuldade que as dançarinas enfrentam nas pontas dos pés.

Para as meninas que dançam balé clássico desde a infância, o uso do calçado é o momento mais sonhado e aguardado das suas vidas. A transição é vista como um ritual e mostra que a criança está crescendo e evoluindo nos passos da dança. Mas o seu uso precoce pode trazer muitos prejuízos para a saúde física e mental da dançarina, por isso é preciso tomar muito cuidado para não se precipitar neste processo. Mas qual será então a hora certa de usá-las?

“Considerando o tempo de prática, a literatura sugere de 3 a 4 anos de prática de balé clássico, com uma frequência semanal de duas a três aulas, de modo geral, para que se atinja um nível técnico suficiente para o uso das pontas; além disso, é preciso avaliar se a aluna dispõe de força e estabilidade dos tornozelos e partes superiores do corpo, além de flexibilidade dos tornozelos e pés e alinhamento do corpo”, orienta Juliana.

“Também é importante observar se a aluna tem sobrepeso (por conta do impacto de se equilibrar numa pequena superfície), e está desenvolvida o suficiente (a nível ósseo, muscular e emocional). É preciso levar em consideração ainda o comportamento da estudante de balé diante de sua formação: alunas que adotam uma conduta responsável e perseverante tendem a ter mais sucesso na ‘conquista’ de usar a sapatilha de ponta”, esclarece a especialista em pontas.

Para a bailarina, mestre em saúde da criança e do adolescente e professora do curso de licenciatura em dança da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Viviane Moraes, não há um consenso entre os professores de dança sobre a idade em que se pode começar a usar as pontas, porém é possível observar que, por volta dos 11 e 12 anos, é mais comum as meninas iniciarem o trabalho de ponta ou pré-ponta.

Juliana Siqueira lembra também que deve-se levar em conta o desenvolvimento físico. “A idade cronológica, por si, só não parece suficiente para determinar a prontidão. É preciso observar o estágio de ossificação dos ossos do pé, sendo muitas vezes razoável esperar um pouco mais para o início do uso das pontas, no sentido de evitar possíveis danos à saúde da bailarina”.

Já a professora de dança Lúcia Helena D’Angelo, que atua há mais de 50 anos na formação de balé clássico, no Recife (PE), observa que o talento e dedicação pode interferir nesse processo de iniciação nas pontas. “Às vezes, uma aluna chega para mim, e com apenas um ano, eu tenho a certeza de que ela está preparada para subir na ponta. Outras alunas ficam comigo por cinco ou seis anos e ainda não estão preparadas para usar uma sapatilha de ponta. Isso de varia de bailarina para bailarina”, relata.

Processo e preparação para subir nas pontas

O papel do profissional de dança é fundamental para encaminhar a meninada nesse processo. “A principal dificuldade que as crianças jovens encontram nesse processo de transição para sapatilha de ponta é exatamente a preparação para as mesmas. Porque hoje em dia é muito difícil você encontrar professores clássicos tecnicamente aptos a ensinar a dança clássica. É preciso muita técnica em balé para saber preparar corretamente uma criança para usar uma sapatilha de ponta”, opina Lúcia Helena D’Angelo.

De acordo com Lúcia, a preparação é realizada através de aulas de pré-ponta. “São aulas que trabalham os releves, joelhos devidamente esticados e coluna na posição correta, tudo perfeitamente encaixado para que a bailarina possa fazer um trabalho bem feito com a sapatilha de ponta. Isso sempre pensando no fortalecimento da musculatura das pernas e dos pés para subir corretamente na ponta”, explica a professora de balé clássico.

A preparação física é essencial para que a bailarina consiga usar o calçado corretamente, pois ele exige força física. “Para equilibrar-se na sapatilha de ponta, é preciso que o corpo inteiro esteja preparado e tonificado. Mas pensando no ato de subir na ponta, podemos entender que os músculos intrínsecos do pé (músculos curtos que se fixam nos ossos do pé, principalmente na região plantar) são bastante solicitados, assim como alguns músculos da perna, dando especial atenção ao tríceps sural (a panturrilha, ou batata da perna, como vulgarmente é conhecido), aponta Juliana Siqueira, autora do livro Sobre as pontas dos pés.

Além de todo um preparo físico, alguns testes também podem ser feitos para atestar a aptidão para as pontas. “De acordo com Richardson (2015), existem baterias de testes de controle motor que analisam vários aspectos, como força, equilíbrio, coordenação, e alguns deles trazem uma mecânica de movimento parecida com a do balé”, cita Juliana.

De acordo com a especialista em dança, procurar um profissional de saúde também é plausível. “Esta prática seria importante para analisar o estágio de desenvolvimento da praticante, por exemplo, para verificar o estágio de ossificação, fazer um raio-X do pé, verificação de possíveis desvios posturais e/ou lesões (através de avaliação postural e ressonâncias magnéticas) e da previsão do período que cada aluna poderá passar pelo ‘estirão’ da puberdade”, orienta.

Juliana considera que a ida ao médico pode auxiliar o professor a planejar suas aulas de uma forma mais eficaz, preservando a saúde dos seus aprendizes. Mas frisa que quem deverá fazer a avaliação é o professor que acompanha o processo das alunas, então é importante que ele entenda de anatomia para poder interpretar os dados clínicos.

Então, o profissional da dança qualificado sabe orientar quando é a hora de avançar para as pontas, conta a professora de dança da UFPE Viviane Moraes. “A consulta com um profissional de saúde é sempre válida para saber se a criança está em seu desenvolvimento saudável e indicado para a faixa etária. Mas professores qualificados conhecem sobre anatomia e aspectos biomecânicos que envolvem o balé. Eles são capacitados também para observar e acompanhar o desenvolvimento da aluna”.

Para Viviane, subir na sapatilha de pontas não é tão “difícil”, difícil é executar a técnica exigida no balé clássico para dançar nas sapatilhas de ponta. “Pois requer toda uma adaptação anatômica, que vai desde a rotação externa da articulação do quadril (conhecida como en dehors), até a exigência de joelhos bastante esticados durante os exercícios nas pontas dos pés, e força na articulação do tornozelo. O balé por si só já é bem desafiador. Nas pontas, torna-se ainda mais difícil”, analisa a bailarina e professora do curso de dança da UFPE.

Riscos no uso precoce das sapatilhas de pontas

“A literatura indica que usar sapatilha de ponta é uma possibilidade dentro da técnica de balé. Porém, algumas alunas podem nunca estar prontas para dançar na ponta, o que pode ser muito frustrante para uma aspirante a bailarina. É preciso considerar casos físicos específicos (deformidades, lesões, questões anatômicas e morfológicas peculiares), além de questões emocionais (como autoestima, autocontrole e autoconfiança) e também analisar qual o objetivo da aluna com as aulas de balé. Será que ela pretende usar pontas? Será que ela quer dançar, profissionalmente ou não? Ou será que ela só quer mesmo fazer aula, como forma de exercício físico? ”, aponta Juliana Siqueira.

Viviane Moraes também instruiu em quais situações se deve evitar o uso das tão sonhadas sapatilhas para não comprometer a saúde. “No caso da existência de determinadas doenças que comprometem o aparelho locomotor ou o tônus muscular não é indicado. Pois no trabalho de pontas se exige muito da força muscular para evitar quedas e lesões”.

Não seguir estas recomendações podem trazer danos para as meninas que querem atravessar essa etapa do balé clássico e alguns exemplos mostram como é importante passar por todos os cuidados. “Crianças que colocaram ponta antes do momento certo acabaram se desmotivando e se frustrando porque não conseguiam dançar dentro do que a técnica do balé propõe, sentindo muitas dores e perdendo o prazer pela dança a ponto de desistir”, comenta Viviane sobre meninas que foram prejudicadas psicologicamente.

“É comum observar o aparecimento de lesões que podem ter origem no uso inadequado da sapatilha de ponta, como fraturas de estresse, lesões em joelhos e tornozelos. Porém, fica difícil afirmar que essas lesões têm como causa exclusiva o uso da ponta, pois existe uma série de variáveis a considerar, como alimentação, repouso, outras modalidades que a aluna pode praticar e aspectos hereditários. Para isso, é preciso estar em contato com evidências científicas, que investigam e analisam de forma mais consistente essas questões”, ressalta Juliana.

“Uma pesquisa realizada em 2016 por Selina Shah, por exemplo, relata o caso de uma bailarina de 13 anos que dançava na ponta desde os 10 anos. Ela apresentou encurtamento do segundo dedo de um dos pés, decorrente de uma parada prematura do crescimento da cabeça do metatarso. A conclusão do estudo indica que isso pode ter origem no uso precoce das pontas. O caso traz uma reflexão importante, sobre o momento correto de indicar uma aluna para o uso da sapatilha de ponta, que deve ser feito com base no treinamento, maturidade e conjunto de habilidades da praticante”, completa a professora de dança da UFPE.

Papel da família na transição

A ansiedade das meninas para trocar logo de sapatilha fica evidente quando começam a evoluir na dança e a família logo percebe quão grande é a vontade e embarca junto, apoiando e dando todo o suporte para que alcancem a grande meta. Mas é preciso ficar atento para não alimentar a euforia e acabar atrapalhando o processo por causa da ansiedade.

O ideal é que exista uma comunicação adequada e uma relação de parceria entre família, professor e escola de dança. Isso pode ser feito mediante informativos impressos, reuniões periódicas ou até mesmo conversas informais, para ajudar a esclarecer dúvidas. É muito importante que a família esteja atenta às recomendações dadas pelo professor/direção e confie no trabalho que está sendo feito”, orienta Juliana.

Sobre como se pode ajudar em casa, Viviane aconselha: “Primeiramente não compre sapatilha sem que o professor aconselhe. É muito comum a criança não estar pronta para as pontas, mas os pais comprarem sem orientação do professor para satisfazer o desejo e a ansiedade da criança. É importante que os pais saibam que a sapatilha de ponta se for usada de maneira inadequada e sem orientação pode ser um instrumento que predispõe a lesões”.

“É relativamente comum que pais ou responsáveis da criança questionem vários aspectos existentes numa formação em balé clássico, sem entender a respeito da técnica e dos requisitos necessários para o uso da sapatilha de ponta, o que pode prejudicar a relação entre escola e família e a própria formação da estudante de balé”, completa Juliana sobre a importância da comunicação com os professores para poder ajudar.

E confira as dicas da professora de balé clássico Lúcia Helena D’Angelo para quem está passando pelo processo da primeira sapatilha de ponta:

• Tenha muito cuidado com quem está fazendo aula
• Observe se a professora ou professor está trabalhando corretamente os “en dehors” e os relevés
• Ver se estão esticando bem o peito dos pés
• Ver se está subindo corretamente o relevé, ombros esticados e coluna correta

Atenta aos cuidados, “se joga” #NaPontadoPÉ! 😉 

Texto: Aline Antunes
Edição: Maíra Passos

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* Publicação original de 22/04/2019




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